REVISÃO:
A busca pela melhoria no desempenho esportivo encontra no treinamento os estímulos geradores do processo de adaptação do organismo. A base para que essas adaptações sejam realizadas está na aplicação da ciência do treinamento desportivo (BORÍN et al., 2007a; ALEXIOU; COUTTS, 2008; HAYES; QUINN, 2009) o qual se caracteriza como um processo ativo, complexo, regular, planificado e orientado para melhora do desempenho do atleta (WEINECK, 1999). Portanto, é consenso que a meta final do treinamento desportivo consiste na aplicação de cargas que provocarão melhora do rendimento na competição ou prova (BOMPA, 2001; SILVA, 2004; BORÍN et al., 2007b; MEEUSEN et al., 2007; MEEUSEN et al., 2008; HAYES; QUINN, 2009).
O processo de treinamento pode ser baseado na teoria da Síndrome da Adaptação Geral (SAG) de Hans Seyle (1956) que considera o estresse como um fenômeno intimamente ligado às adaptações ao treinamento sofridas pelo organismo (KENTTÄ; HASSMÉN, 1998; FARTO, 2002; GARET et al., 2004; ACSM., 2009).
Para que essas adaptações ocorram, as noções chave do processo de treinamento que devem ser respeitadas são: a fadiga, a homeostase, a recuperação e a supercompensação (STEINACKER et al., 2004), sendo que a carga de treino designa o estímulo ou o estresse que é imposto a um atleta ou indivíduo (BORÍN et al., 2007a). Estes estímulos, de forma objetiva e intencional procuram induzir estados de fadiga controlada orientados para a obtenção de adaptações específicas (ACSM, 2009). Os níveis de fadiga e os processos de recuperação subsequentes são determinados pelas características dos estímulos aplicados (MIRANDA; BARA FILHO, 2008).
Os estímulos estressores, portanto, são parte essencial do processo de treinamento (SILVA, 1990; MASO et al., 2004) por promoverem um desequilíbrio da homeostasia por meio do aumento progressivo das cargas de treinamento (MIRANDA; BARA FILHO, 2008).
Uma das condições primordiais para um treinamento de qualidade é o contínuo e adequado rompimento do equilíbrio interno do organismo (Homeostasia) mediante a aplicação de um estressor que irá gerar uma
resposta adaptativa positiva (eustresse) a fim de tentar recuperar esse equilíbrio (FREITAS; MIRANDA; BARA FILHO, 2009). Isso é considerado uma resposta normal do treinamento e o aumento progressivo na carga de treino seguido de recuperação suficiente resulta em melhoria do desempenho, sendo essa, a base de um programa eficiente (HALSON; JEIKENDRUP, 2004). Desta forma, o organismo se desorganiza e se organiza, sucessivamente, promovendo adaptações em seus sistemas para que se torne mais eficiente, complexo e sofisticado, apresentando adaptações positivas ao estresse (carga de treino) que foi imposto.
As cargas de treino são fundamentais no processo de treinamento e podem ser entendidas como estresse psicofisiológico induzido pelo exercício determinado pela combinação da intensidade com a duração e a freqüência do treinamento (SMITH, 2003; TAHA; THOMAS, 2003), assim como, o conjunto de estímulos de natureza diversa administrado no processo de treinamento que solicita um ou vários sistemas orgânicos, rompendo o equilíbrio interno do organismo (BONETE SUAY, 2003). A progressão das cargas é fundamental para estimular constantes adaptações anatômicas, fisiológicas, bioquímicas e psicológicas que irão melhorar o desempenho do atleta (IMPELLIZERI; RAMPININI; COUTTS, 2004; BORRESEN; LAMBERT, 2008).
Uma dificuldade relacionada ao treinamento está em estabelecer a taxa de aumento da sobrecarga (intensidade e volume) para cada atleta nas diferentes fases do Treinamento (macrociclo). A inadequação do volume e da intensidade nas sessões ou nos períodos de pausa pode exceder à tolerância individual, ao exercício e a capacidade de recuperação do atleta ou do praticante, promovendo um desgaste desnecessário (MEEUSEN et al., 2007; BUDGETT et al., 2008).
Atletas de elite freqüentemente desafiam o equilíbrio do treinamento, por assumirem possuir alta tolerância ao estresse de treino permitindo acúmulo de altas cargas de treino em um determinado período (DEGORCES et al., 2007).
A intensidade e o volume de treinamento, assim como, o tempo de recuperação entre os treinos tem sido uma grande preocupação para técnicos, professores, preparadores físicos, fisiologistas e cientistas do esporte, pois existe uma linha tênue entre os resultados positivos (aprimoramento da condição física) e negativos (efeitos deletérios) proporcionados pelo estresse da carga de treino (MIRANDA; BARA FILHO, 2008; FREITAS; MIRANDA; BARA FILHO, 2009).
A carga é, então, o elemento central do processo de treino e compreende o processo de confronto do desportista com as exigências físicas, psíquicas e intelectuais que lhe são apresentadas durante o treino, com o objetivo de aperfeiçoar o rendimento desportivo (VERKHOSHANSKY, 2002), ou seja, o treinamento é, em termos gerais, um processo permanente de adaptação à carga de trabalho. Portanto, a quantificação dos efeitos positivos e negativos da dose de resposta da carga de treino permitiria adaptações ao treinamento para melhora do rendimento que poderia levar ao melhor entendimento de como aperfeiçoar a periodização do treinamento (ACSM, 2009; HAYES; QUINN, 2009).
Ao considerar a importância do controle da carga no processo de treinamento, Miranda e Bara Filho (2008) pontuam que se os treinadores controlarem adequadamente essas cargas estarão dando um importante e significativo passo para o sucesso de seu programa de treino. Assim, a habilidade de se avaliar e monitorar a carga de treino pode oferecer informações importantes para a prescrição individualizada dos programas de treino (FOSTER et al., 1995; ALEXIOU; COUTTS, 2008; BORRENSEN; LAMBERT, 2008).
Apesar do controle da carga de treino ter uma importância fundamental no processo de treinamento, infelizmente não existe um parâmetro universal que
pode ser utilizado para vários estímulos de treino (PETIBOIS; CAZORLA;
DÉLERIS, 2003), o que sugere a pouca atenção oferecida ao processo de quantificação da carga. O fato de não se ter um método de quantificação desenvolvido para vários tipos de exercício, mostra que a importante influência da carga de treino, na resposta do exercício, seja raramente levada em conta (DEGORCES et al., 2007; HAYES; QUINN, 2009). Além disso, o controle da carga é muito mais complexo do que pode parecer (BORIN et al., 2007a).
Alguns autores descrevem esse processo como crítico (FOSTER et al., 2001).
Há muito tempo, os cientistas têm dedicado esforços na procura de meios para quantificação da carga de treino. Existem diferentes fatores para qualificá-la como: volume, intensidade, freqüência, densidade entre outros. Normalmente, não há dificuldade em se quantificar algumas grandezas externas, mas são poucos os instrumentos fidedignos para estimativa do impacto dessas cargas, efetivamente, sobre o organismo dos atletas ou dos praticantes (PETIBOIS; CAZORLA; DÉLERIS,2003; BORÍN et al., 2007a).
Apesar dos avanços nas pesquisas com as cargas de treinamento, ainda não foi identificado um marcador confiável, simples e específico para monitorar regularmente a resposta do atleta à carga de treinamento (LEHMANN, 1993; KENTTÄ; HASSMÉN, 1998) e para diagnosticar o overreaching e o overtraining nos estágios iniciais (GLEESON, 2002; VARLET-MARIE et al., 2003; MARGONIS et al., 2007), pois nenhum parâmetro isolado é suficiente para avaliá-los e predizê-los (HARTMANN; MESTER, 2000). Assim, o monitoramento do treinamento deveria envolver uma avaliação multivariada para mensurar a adaptação às cargas de treino (ALVES et al., 2006; PURGE et al., 2006).
O constante planejado rompimento do estado de equilíbrio interno (homeostático) é utilizado por treinadores e atletas para alcançar evoluções específicas nos sistemas responsáveis por uma melhora no desempenho esportivo (KENTTÄ; HASSMÉN, 1998; WEINBERG; GOULD, 2001; SILVA, 1990; GARET et al., 2004; ROHLFS et al., 2005).
Desta forma, o estresse, não pode ser considerado um fator negativo já que ele é um elemento real e funcional absolutamente necessário para que as respostas adaptativas positivas ao treinamento ocorram em ambientes de esporte competitivo (SILVA, 1990; MIRANDA; BARA FILHO, 2008; FREITAS; MIRANDA; BARA FILHO, 2009). Kelmann (2001) considera, por exemplo, que enfrentar e resolver efetivamente um problema são capacidades resultantes de uma adaptação positiva às demandas psicológicas. Se um determinado atleta nunca é exposto ao estresse competitivo é improvável que o mesmo desenvolva adaptações para responder aos estressores quando eles aparecerem durante um jogo competitivo (SILVA, 1990; MIRANDA; BARA FILHO, 2008).
Normalmente, em reposta a um determinado estímulo estressor, o resultado pode ser o eustresse (respostas positiva com evolução das funções e evolução no treinamento), distresse (reações negativas, prejuízo na função e decréscimo no rendimento ou uma associação entre as duas respostas) (SILVA, 1990; ROHLFS et al., 2005; MIRANDA; BARA FILHO, 2008).
Como nem todo processo de treinamento é realizado com equilíbrio entre a demanda imposta e a recuperação necessária para que o organismo se reajuste e se adapte a tal demanda positivamente, as adaptações negativas podem ocorrer.
As adaptações negativas do treinamento são inevitáveis quando se negligência a recuperação como parte fundamental e integrante do processo de treinamento, dando-se importância somente ao estresse de treino propriamente dito levando à respostas negativas como queda no desempenho do atleta. (SMITH, 2003; KELMAN, 2001). Segundo Heldelin et al. (2000), a principal causa das adaptações negativas é a incorreta condução do treinamento em termos de volume ou intensidade ou pausa de recuperação.
Apesar do foco no estresse do treinamento, pesquisas têm demonstrado que estressores adicionais ao exercício como (psicológicos: expectativas do treinador e dos familiares, estresse competitivo, comportamento social, relação com família e amigos, monotonia no treinamento, problemas pessoais e emocionais, demandas de trabalho (PELUSO, 2003; ROHLFS et al., 2005; MEEUSEN et al., 2007) ou mesmo trabalho, viagens e nutrição inadequada) (FOSTER; LEHMAN, 1997; MEEUSEN et al., 2006) parecem predispor os atletas a adaptações negativas por aumentarem ainda mais a demanda imposta ao organismo (JEUKENDRUP et al., 1992; STEINACKER et al., 2000; HALSON et al., 2002; URHAUSEN; KINDERMAN, 2002; HALSON et al., 2003).
O treinamento, portanto, é um processo que depende do equilíbrio entre estresse e recuperação, sendo que uma resposta adaptativa positiva a sobrecarga imposta dependerá do ajuste fino entre a demanda geradora total desencadeada pelos estímulos estressores físicos, psíquicos e sociais e o tempo e a capacidade de recuperação do atleta aos mesmos (LEHMANN et al., 1997, KENTTÄ; HASSMÉN, 1998; STEINACKER et al., 2002; MEEHAN et al., 2004; ALVES, 2006), ou seja, o treinamento é um processo que possui dois fatores essenciais para o sucesso, (estresse∕recuperação) sendo que aperfeiçoar o processo de recuperação permite ao atleta tolerar treinos mais freqüentes e mais intensos e ainda responder positivamente aumentando, assim, o limiar de adaptação do mesmo.
Quando o equilibrio é alcançado é sinal que foi respeitada a importância da recuperação no processo de treinamento (SMITH, 1997; KENTTÄ; HASSMÉN, 1998). A partir daí alcança-se as adaptações positivas, as quais são de natureza temporária, ou seja, para manutenção dessas adaptações e, conseqüentemente, dos ganhos do treinamento o estímulo, muitas vezes, tem que ser reimposto em níveis semelhantes sendo que aumentos planejados e graduais no estímulo também resultam na possibilidade de ganhos mais adiante (MANSO, 2005).
Caso o equilíbrio estresse-recuperação seja rompido, ocorre uma inadaptação ou mesmo uma adaptação negativa chamada por muitos de overreaching (MEEUSEN et al., 2006).
Pode-se dizer que o overreaching é um momento chave no processo de treinamento, pois marca o início de uma falha do organismo em se adaptar a sobrecarga (demanda) imposta (KENTTÄ; HASSMÉN, 1998). Kreider et al. (1998) definiu o “Overreaching como um acúmulo de estresse de treinamento e não treinamento, resultando num decréscimo do desempenho em curto prazo com ou sem sinais e sintomas psicológicos e fisiológicos, sendo que, a restauração das capacidades normais se dá de alguns dias a algumas semanas”.
Conhecer e identificar o overreaching é essencial, para que o treinador manipule as variáveis do treinamento, afim de proteger seu atleta contra as adaptações negativas, já que, o overreaching pode se tornar uma fase positiva, se for planejado previamente (BUDGETT, 1990; HALSON; JEIKENDRUP, 2004; HALSON et al., 2002).
Portanto, quando o overreaching ocorre, o mesmo pode tomar duas direções distintas: positiva ou negativa denominados por Meeusen (2006) por overreaching funcional e overreaching não funcional, respectivamente.
A direção positiva pode ser alcançada quando o treinamento permite ao atleta
recuperação adequada. Proporcionando uma supercompensação e um desempenho superior (GARET et al., 2004; ACSM, 2009). Outra hipótese é a utilização planejada deste período de desequilíbrio-equilíbrio para obter ganhos significativos em momentos bem específicos do ciclo de treinamento. Ou seja, o que se faz é manipular as respostas do organismo em benefício do atleta, em um período específico do treinamento, sabendo-se que o organismo sempre tentará manter o equilíbrio e que sua resposta será sempre superior ao estímulo oferecido desde que
a recuperação oferecida seja suficiente.
A direção negativa é atingida quando o overreaching é alcançado aleatoriamente, sem planejamento. E pode ocorrer devido a um equívoco na distribuição e evolução das cargas de treino ao longo do ciclo de treinamento, o que desencadeará um padrão de respostas negativas intitulado por Meeusen (2006) de overreaching não funcional.
Se altos níveis de treinamento persistem ou aumentam com recuperação insuficiente um estado mais sério se desenvolverá, o overtraining (URHAUSEN; KINDERMANN, 2002; ROGERO et al., 2005; CUNHA et al., 2006). Além disso, outros estressores que não o de treino como: freqüência de competições, monotonia do treinamento, estressores psicossociais e excesso de viagens podem levar a evolução da síndrome (KENTTÄ; HASSMÉN, 1998; KELLMAN, 2002).
Kreider et al. (1998) definiu o overtraining como “um decréscimo do desempenho em longo prazo com ou sem sinais e sintomas psicológicos e fisiológicos, em que a restauração das capacidades normais pode levar de semanas a meses”.
Várias denominações são dadas a esse fenômeno na literatura: trabalho excessivo “overwork”, fadiga crônica ou persistente “overfatigue”, uso excessivo “overuse” (termo utilizado também para lesões esportivas), fadiga a curto prazo “overreaching”, estafa “staleness”, exaustão emocional “burnout”, overtraining a longo e curto prazo e outros (BUDGETT, 1998; KREIDER et al., 1998).
Recentemente, Budgett et al. (2000), Robsonn, (2003), Budgett et al. (2009) redefiniram a síndrome do overtraining como “síndrome da redução inexplicada dodesempenho concordada por atleta e treinador apesar de duas semanas de repouso”.
Apesar dessas definições citadas, os cientistas precisam de uma mais clara para avançar nos conhecimentos da síndrome (KENTTÄ; HASSMÉN, 1998).
Segundo Silva (1990), é difícil de descrever explicar e predizer um fenômeno que não tenha definição claramente definida.
A variabilidade nos sintomas e a falta de testes diagnósticos ajudam a explicar as contradições nas pesquisas em relação à síndrome da queda inexplicável do desempenho (URHAUSEN; KINDERMAN, 2002). Como não há ferramentas diagnósticas para detectar o overtraining além do declínio do desempenho, sensação de fadiga e distúrbio do humor, tal diagnóstico é realizado mediante exclusão de outras variáveis que influenciam as mudanças no desempenho e no humor. (UUSITALO et al., 2001; HALSON; JEIKENDRUP, 2004; MEEUSEN et al., 2006; NEDEHORF et al., 2008).
Além disso, a maioria das pesquisas nessa área tem investigado atletas em overreaching e não em overtraining, já que, não é ético induzir o overtraning em um indivíduo (HALSON; JEIKENDRUP, 2004).
Pouco se avançou, nos últimos anos, quanto às ferramentas para diagnóstico do overtraining, apesar de vários marcadores bioquímicos, fisiológicos, imunológicos, e psicológicos pesquisados (URHAUSEN; KINDERMANN, 2002). A
falta de estudos bem controlados que incluam avaliação apropriada do desempenho, assim como, níveis basais e períodos de recuperação prejudicam o entendimento dessa síndrome (HALSON; JEIKENDRUP, 2004).
Embora não haja um parâmetro confiável para ser um indicador independente da síndrome do overtraining, o monitoramento do desempenho, os parâmetros fisiológicos, bioquímicos, imunológicos e psicológicos, podem ser a melhor estratégia em identificar atletas que falham em adaptar-se ao estresse do treinamento. (MEEUSEN, 2007).
Atletas experimentam fadiga e redução no desempenho como conseqüência de um processo normal de treinamento. Como visto, quando o equilíbrio entre o estresse de treino e a recuperação é desproporcional pode ocorrer os estados de overreaching e overtraining (HALSON; JEIKENDRUP, 2004).
Várias tentativas têm sido realizadas com o intuito de definir, cuidadosamente, as respostas negativas para o estresse de treinamento. Já que ambos, overreaching e overtraining, envolvem respostas psicofisiológicas semelhantes, a maior preocupação é a diferenciação dos conceitos de tais estados de treinamento.
O ponto de partida é reconhecer que os termos, overtraining e overreaching, são considerados produto ou resultado do processo de treinamento (HALSON; JEIKENDRUP, 2004), nos quais o atleta apresenta uma queda no rendimento esportivo, além de alterações moleculares, bioquímicas, psicológicas, imunológicas e hematológicas (MEEUSEN, 2007) decorrentes de um desequilíbrio entre estresse e recuperação.
Devido às semelhanças, o overreaching pode ser denominado por Staleness (SILVA, 1990) overreaching funcional (MEEUSEN, 2006; NEDERHOF et al., 2006), overtraining de curto prazo (KREIDER, 1998) ou overtraining positivo (KENTTÄ; HASSMÉN, 1998). Neste processo, o indivíduo se recupera totalmente em no máximo duas semanas de recuperação, enquanto que no overtraining, o período de recuperação pode levar de algumas semanas a meses (BUDGETT, 1990; GLEESON, 2002; HALSON et al., 2002). Essas diferenças sugerem que a diferença entre o overtraining e o overreaching se relaciona com a quantidade de tempo necessário para restauração do desempenho e não com o tipo e a duração do estresse ou o grau de prejuízo (ROWBOTTOM et al., 1998; UUSITALO, 2001; MEEUSEN, 2006; MIRANDA; BARA FILHO, 2008).
O overreaching ocorre devido ao acúmulo do estresse do treinamento e de outros fatores, sociais e psicológicos, que resultam em uma diminuição da capacidade de rendimento, a qual é restaurada em alguns dias ou duas semanas após o afastamento dos treinamentos ou diminuição das cargas de treino (KENTTÄ; HASSMÉN, 1998; SMITH, 2003; BAUMERT et al., 2006; PURGE et al., 2006). Esta condição está provavelmente associada a uma recuperação metabólica insuficiente, o que acarreta uma queda nos níveis de Trifosfato deAdenosina (ATP) (VARLET-MARIE et al., 2003).
Para Kenttä e Hassmén, (1998) o estado de overreaching é o ponto de partida do continuum do overtraining e é também o ponto, no qual a má adaptação pode ocorrer se o atleta não for bem monitorado.
O overreaching pode ainda ser entendido como parte do processo da supercompensação do organismo (HALSON; JEIKENDRUP, 2004; PURGE et al., 2006; ACSM, 2009) sendo, frequentemente, utilizado pelos atletas durante um
ciclo especifico de treino para melhora do desempenho e, portanto, considerado parte vital para o aumento do desempenho, desde que seja ajustado o tempo de recuperação para a supercompensação (BUDGETT, 1990; URHAUSEN; KINDERMANN, 2002).
Em vista disso, de acordo com a definição do overreaching, se a recuperação do desempenho se dá em até duas semanas, o mesmo pode ser considerado uma condição normal ou um estágio inofensivo do processo de treinamento. (URHAUSEN; KINDERMANN, 2002; HALSON; JEIKENDRUP, 2004) sendo denominado por (MEEUSEN et al., 2006) como overreaching funcional.
O overtraining representa a mais temida complicação em atletas competitivos (URHAUSEN; KINDERMANN, 2002), sendo uma desordem caracterizada por um decréscimo persistente do desempenho atlético (GLEESON, 2002; URHAUSEN; KINDERMANN, 2002) que afeta um grande número de atletas (MARGONIS et al., 2007), é considerado uma síndrome complexa, na qual há um desequilíbrio entre o estresse do treinamento bem como de outros fatores e a recuperação (HALSON et al., 2003; BAUMERT et al., 2006; ALVES, 2006), ou ainda, uma condição, na qual o atleta está treinando, excessivamente, com uma baixa qualidade de recuperação e sente-se mentalmente fadigado, apresentando uma deterioração do desempenho (HARTMANN; MESTER, 2000; HEDELIN et al., 2000; SMITH, 2000; VARLETMARIE et al., 2003; MARGONIS et al., 2007) que pode levar meses (MEEUSEN, 2007; NEDERHOF et al., 2008).
Essa síndrome pode ser atribuída a um distúrbio neuroendócrino (hipotálamo-hipofisário-adrenal) que resulta do desequilíbrio entre a demanda do exercício e a possibilidade de assimilação do treinamento acarretando falha no controle dos efeitos do estresse do treinamento (PETIBOIS et al., 2003; SILVA, 2004; ROHLFS et al., 2005; BUDGETT, 2008).
Apesar da queda do desempenho ser considerada um marcador confiável, nenhum consenso foi ainda alcançado a respeito do nível e proporção dessa diminuição do desempenho em diferentes momentos do supertreinamento (RAGLIN, 1993; HOOPER, 1995; O’CONNOR, 1998).
Atletas em todos os níveis de desempenho podem desenvolver a síndrome de overtraining e um relevante número de sinais e sintomas tem sido associado à
mesma, (COSTA; SAMULSKI, 2005; ROGERO et al., 2005; ALVES et al., 2006).
Além da dificuldade em manter os regimes de treinamento com conseqüente queda no desempenho, os atletas podem apresentar infecção do trato respiratório superior, imunossupressão, percepção de pernas pesadas, fadiga generalizada, aumento da percepção subjetiva do esforço, alterações da freqüência cardíaca e concentração de hemoglobina, disfunções no sistema nervoso autônomo, distúrbios do sono e do apetite, alterações de humor, depressão, diminuição dos estoques de glicogênio entre outros (BUDGETT, 1998; KENTTÄ; HASSMÉN, 1998; HARTMANN; MESTER, 2000; WEINBERG; GOULD, 2001; GLEESON, 2002; BRUN, 2003; GAUDARD et al., 2003; HALSON et al., 2003; SMITH, 2003; VARLET-MARIE et al., 2003; ATLAOUI et al., 2004; HALSON; JEUKENDRUP, 2004; JEFFREYS, 2004; MASO et al., 2004; MOUROT et al., 2004; VARLET-MARIE et al., 2004; COSTA; SAMULSKI, 2005; O’CONNOR; PUETZ, 2005; ROGERO et al., 2005; ALVES et al., 2006, CUNHA et al., 2006).
Fatores como monotonia dos treinamentos (ex: falha em incluir variações no treinamento como, dias fáceis entre dias de treino difíceis), aspectos sociais, educacionais, ocupacionais, econômicos, nutricionais, viagens (sem a possibilidade de escolha do atleta, o excesso de pressão e de competições podem contribuir para o overtraining (FOSTER, 1998; COSTA, 2003), mas o principal fator causal dessa síndrome é a recuperação inadequada (KENTTÄ; HASSMÉN, 1998; KELLMAN, 2002).